quinta-feira, 1 de julho de 2010

O SONHO DO REI (Daniel 2:1-49)

Na verdade, é impossível estudar o livro do profeta Daniel sem nos maravilharmos da extraordinária precisão dos detalhes históricos, políticos e religiosos revelados por Deus ao seu profeta séculos antes de tudo acontecer.
A razão de ser do profetismo é a de nos fazer conhecer a vontade última do Deus que só Ele conhece. Efectivamente a profecia é isto mesmo, tal como o revela e define claramente o profeta Amós ao dizer: - “Certamente o Senhor Jeová não fará coisa alguma sem ter revelado o seu segredo aos seus servos, os profetas” – Amós 3.7.
Seja agradável ou desagradável o quanto Deus tem para revelar à criatura, o profeta deverá ser o veículo desta informação. Sempre existiram dois tipos de profetas: 1- falsos; 2- verdadeiros. Antes de abordarmos o tema da lição, abramos um pequeno parêntesis para vermos no Antigo Testamento alguns exemplos de verdadeiros e de falsos profetas:

a)- I Reis 22.1-38

Recordaremos aqui o interessante episódio passado entre o rei de Judá Jeosafá e o rei de Israel Acabe ao se coligarem para fazerem guerra à Síria.
Antes de empreenderem tal propósito, Jeosafá, rei de Judá, quis saber qual a vontade de Deus (v. 5) e, para o efeito, Acabe juntou cerca de 400 profetas. Estes, a uma voz disseram ao rei: - “sobe, porque o Senhor a entregará na mão do rei” – v. 6. Estes comportaram-se como “profetas da corte”, profetas funcionários de Estado “cuja função era de dizer ao rei, aos príncipes e aos poderosos deste mundo o que eles aguardavam, o que eles esperavam e o que eles gostavam de ouvir”.
Mas para estarem mais seguros, o rei Jeosafá quis ouvir uma segunda opinião e pergunta ao sei homólogo: - “Não há aqui ainda algum profeta do Senhor, ao qual possamos consultar” – v. 7. A resposta não se fez esperar e o rei Acabe disse: - “Ainda há um homem (…); porém eu o detesto, porque nunca profetiza de mim bem, mas só mal; este é Micaías” – v.8
Este foi trazido à presença do rei, mas antes de s apresentar ao monarca foi admoestado a corroborar o quanto fora dito pelos outros ao rei (v. 13). No entanto o profeta reiterou que só diria o quanto o Senhor lhe comunicasse para dizer (v. 14). De seguida, perante o rei este fez-lhe a mesma pergunta feita aos outros e a resposta sarcástica do profeta foi a mesma (v. 15). O rei percebeu e pediu-lhe para que, finalmente, lhe desse uma resposta.
A resposta, de uma forma velada, foi anunciar a morte de Acabe, ao dizer: - “vejo Israel disperso pelos montes, como ovelhas sem pastor” – v. 17. O rei irrita-se (v. 18) e, finalmente o profeta Micaías diz: - “Se tu voltares em paz, o Senhor não tem falado por mim” – v. 28.
A batalha deu-se e conforme a palavra do profeta Micaías assim aconteceu. Nesta sequência de factos cumpriram-se duas profecias:
1ª – A mais antiga – a proferida pelo profeta Elias em relação a Acabe responsável pelo assassinato de Nabote, dizendo: – “no lugar em que os cães lamberam o sangue de Nabote, os cães lamberão o teu sangue, o teu mesmo” – I Reis 21.18,19. Esta cumpriu-se neste recontro militar – cf. I Reis 22.38.
2ª – A mais recente - o rei Acabe morre (I Reis 21.34,37).

b)- Jeremias 27.14; 29.10; 37.17

Israel estava a sofrer devido às incursões militares de Babilónia. Os falsos profetas tinham mensagens de esperança e que tudo aquilo era passageiro, pois o Senhor os protegeria. A este propósito proferiram algumas mentiras, entre outras: - “Não servireis ao rei de Babilónia” – Jer. 27.14. Ou ainda: - “Eis que os vasos da casa do Senhor cedo voltarão de Babilónia” – v. 16 (cf. II Reis 24.13,14; Esdras 1.11; Daniel 5.2).
O profeta insurge-se em relação a estas mentiras (Jer. 29.8,9), visto que o que iria acontecer era precisamente o contrário! E assim disse a vontade do Senhor: - “Certamente que passados setenta anos em Babilónia vos visitarei e cumprirei sobre vós a minha boa palavra, tornando-vos a trazer a este lugar” – Jer. 29.10. Portanto, contrariamente ao que foi dito pelos falsos profetas, não só serviriam ao rei de Babilónia, como também o tempo de cativeiro seria longo, não curto, como fora anunciado!
Por outro lado, ao ter que proferir a palavra do Senhor, ainda que desagradável e colocando em risco a sua própria vida, a exemplo do caso anterior, com Jeremias aconteceu o mesmo.
O profeta Jeremias tinha aconselhado o último rei de Judá, Zedequias, a se submeter a Babilónia e a não confiar nas alianças militares, pois não serviriam para nada (cf. Jer. 37.7-9), mas foi tido por traidor e preso (v. 13-15)!
O rei mandar soltar o profeta e em sua casa faz a pergunta que desejava fazer e, se possível, obter uma resposta bonita, de esperança e de conforto. Mas como é que as coisas se passaram? Ora vejamos o que está relatado: - “o rei lhe perguntou: há alguma palavra do Senhor? E disse Jeremias: Há. E disse ainda: na mão do rei de babilónia eras entregue” – v. 17.
Apesar da sua integridade física estar em causa, o profeta limita-se a proferir a única e soberana vontade de Deus para o momento. Pois perante a recusa do rei ao conselho do profeta (Jer. 38.2-5,14-24).
Este é o perfil do verdadeiro profeta – anunciar a Palavra de Deus – ainda que esta não seja a mais agradável para a circunstância. Este foi, sem excepção, o caso do profeta Daniel.


I- O sonho do rei

a)- A amnésia


- Nabucodonozor ficou muito perturbado pelo sonho que tinha como imagem central – uma grande estátua – a qual era esmiuçada devido ao arremesso de uma pedra “cortada sem mão” – Daniel 2.34.
O rei ficou de tal modo impressionado com o grandiosidade do quanto sonhara que, estava a sofrer de amnésia, muito embora tivesse consciência de que o objecto do seu sonho era muito importante. O texto bíblico revela-nos que ele ficou angustiado pois queria saber o que sonhou e o qual o seu significado! Esta amnésia, ainda que parcial, dever-se-á a quê? Em primeiro lugar, tendo em conta a grandeza deste império, tal como o monarca o demonstrará mais tarde pelas suas próprias palavras (Daniel 4.30), uma resposta poderá ser por que “a estátua sonhada por Nabucodonozor não correspondia à ideia que o monarca tinha da sua história e do seu destino. Por isso, ele não ousa compreender e foge do sonho, esquecendo-o”. Em segundo lugar, talvez, por que não pensarmos no Ser que originou o sonho – Deus – para que pudesse preparar o cenário que se seguirá.
O rei irá ordenar a todos os sábios da sua corte, nomeadamente, os ditos profissionais da religião, que se apresentem diante dele para lhe revelarem não somente o conteúdo do sonho como também a sua significação. Assim, perante o rei apresentaram-se “os magos, os astrólogos, os encantadores e os caldeus” – v. 2. O fracasso foi total, ao ponto destes declarem ao rei que “não há ninguém sobre a terra que possa declarar a palavra ao rei (…) senão os deuses, cuja morada não é com a carne” – v. 10,11. O rei, enfurecido, decreta a morte de todos os sábios (v. 13). A notícia chega até Daniel pediu ao rei algum tempo (v. 16) para poder apresentar ao rei o sonho e o seu significado. O rei consentiu. Daniel orou a Deus e foi-lhe revelado o sonho numa visão de noite” – v. 19.
O que é que podemos ver no quanto o texto nos revela? Desde já, este capítulo nos permite assistir a uma espécie de duelo entre a astrologia pagã e a profecia israelita. Aqui estarão em oposição Jerusalém e Babilónia, dois pólos do pensamento religioso da antiguidade. Babilónia tinha afirmado a sua superioridade militar incontestável; a civilização dos caldeus era superior também no domínio das artes. A sua vitória militar sobre Jerusalém representava, segundo a mentalidade da época, igual vitória espiritual dos seus deuses sobre o Deus de Israel.


b)- O confronto

Em presença ficam os sábios de Babilónia “os magos, os astrólogos, os encantadores e os caldeus” – v. 2 - e o representante do profetismo israelita – Daniel.
A astrologia desenvolveu-se muito entre os Caldeus. A arte dos horóscopos obedecia a certas regras em que acreditavam como precisas e científicas. Acerca destes profissionais do oculto, veremos algumas lições encontradas no Antigo Testamento:

1- Astrólogos

Tal como o nome indica, caracteriza os que estudam os astros e pensam encontrar nestes uma resposta para os problemas humanos! Mas, será isto possível? Será que os astros têm, na realidade, algo a dizer?
É verdade que, desde sempre os astros, nomeadamente – o Sol (deus Shamash) e a Lua (deusa Sin) – foram adorados como deuses, nomeadamente na Mesopotâmia. No entanto, não deixa de ser curiosa a narrativa acerca da Criação nas primeiras folhas das Escrituras – no livro dos Génesis. Assim, quando lemos o que lá está escrito acerca destes corpos celestes, por estranho que possa ser – estes não têm nome! Aqui, o Sol é mencionado e identificado por “o luminar maior”, enquanto que a Lua é identificada por “o luminar menor” – cf. Génesis 1.16.! Esta forma tão peculiar de tratar estes dois astros levou certos autores a confessarem que “dizer em Babilónia que os astros – Sol, Lua e as estrelas - não são divindades mas simplesmente luminares, lâmpadas não era uma revolução metafísica, ontológica – era um crime, uma blasfémia, um sacrilégio em relação às divindades solares e lunares de Babilónia”.
Em resumo, no mundo pagão são conhecidos não só pelos seus nomes, como também adorados como deuses; nas Escrituras nem nome têm! Qual a razão? Talvez a encontremos nesta interessante explicação “é conhecida a ligação entre o Sol e a adivinhação. Ora, este desejo de interrogar o amanhã, tão fundamental em todas as religiões antigas, encontramo-lo ainda nos nossos dias, mesmo numa época como a nossa, dita científica, nos cartomantes, adivinhos e astrólogos. É tempo de acabar com este mito. E esta é a proposta da Bíblia. Esta o fez para os antigos Hebreus: ela retirou ao Sol toda a virtude divina ao atribuir-lhe unicamente a função de simples agente subalterno, agente natural escolhido por Deus para iluminar a terra. Um simples objecto luminoso. Segundo a Bíblia, o Sol não é divino. Ele nada sabe. Ele nada revela. Ele não é mais que um objecto criado por Deus, um corpo luminoso encarregado de regulamentar, ou antes, de marcar as estações, de iluminar o dia. Uma simples lâmpada! (…). O Sol e a Lua nada são em si mesmos, nada mais do que lâmpadas. (…). Objectos insignificantes que o autor nem sequer os nomeia!”
Tal como no passado, podemos constatar esta triste verdade nos nossos dias, onde são cada vez mais aqueles e aquelas que se dão a conhecer nas muitas páginas dos jornais – a oferecer os seus serviços de astrólogos! Na verdade “o homem moderno já não acredita em Deus: ele crê nas estrelas!”

2- Magos

Na Palavra de Deus detectamos a presença destes que se dedicam ao exercício da adivinhação e da magia.
Recordaremos aqui a fase que antecedeu a saída do povo de Deus do Egipto. O Senhor irá utilizar Moisés e Arão para manifestar o Seu grande poder. Para mostrar que só Ele é o único Deus e Criador dos Céus e da Terra, irá actuar, através dos Seus servos, nas dez pragas que cairão no Egipto até à libertação final do Seu povo da escravatura egípcia.
Veremos agora como Satanás, o inimigo de Deus, de igual modo actuou no passado contra os servos de Deus na tentativa de desacreditar o poder do Criador! Vejamos alguns exemplos:

1ª praga: - as águas tornam-se em sangue

Os servos de Deus – “Arão levantou a vara e feriu as águas (…) e todas as águas do rio se tornaram em sangue” – Êxodo 7.19,20

Os magos – “Porém os magos do Egipto também fizeram o mesmo com os seus encantamentos (ciência ocultas) (…)” – Êxodo 7.22

2ª praga: - as rãs

Os servos de Deus – “Arão estendeu a sua mão sobre as águas do Egipto e subiram rãs e cobriram a terra do Egipto” – Êxodo 8.5,6

Os magos – “então os magos fizeram o mesmo com os seus encantamentos (ciência ocultas) e fizeram subir rãs sobre a terra do Egipto” – Êxodo 8.7

3ª praga: - os piolhos / mosquitos

Os servos de Deus – “Estende a tua vara e fere o pó da terra para que se torne em piolhos por toda a terra do Egipto. (..) Arão estendeu a sua mão com a sua vara e feriu o pó da terra e havia muitos piolhos nos homens e no gado (…)” – Êxodo 8.16,17

Os magos – “E os magos fizeram também assim com os seus encantamentos (ciência ocultas) para produzirem piolhos, mas não puderam (…)” – Êxodo 7.22

Por que é que “não puderam”? Até aqui os truques empregues resultaram. Por que não agora? Antes de mais, vejamos a resposta parcial, dos mesmos, a esta pergunta: - “Então os magos disseram a Faraó: - Isto é o dedo de Deus (…)” – v. 19. Na verdade, aqui nada poderiam fazer para igualar, imitar, o que os servos de Deus fizeram pelo poder do Criador.
Porquê? Agora vejamos a outra parte da resposta e esta encontra-se no v. 16, quando Deus ordenou “fere o pó da terra para que se torne em piolhos”. Não como até aqui, suscitar a vida que já existe e manipulá-la. Agora estamos perante uma ordem criadora. … e esta só Deus a poderá dar, pois nunca o Senhor outorgou a qualquer criatura Sua, ainda que excelsa em poder, tal prerrogativa! Nem mesmo o patrono destes magos – Lúcifer, Satanás – com todo o poder que o caracteriza pôde fazer fosse o que fosse. Assim podemos compreender a confissão da sua impotência perante os servos de Deus, quando disseram: - “Isto é o dedo de Deus (…)” – v. 19
Como nota final desta parte e perante o que acabámos de ver, agora podemos compreender melhor a resposta que profissionais das “ciências ocultas” deram ao rei de Babilónia, quando disseram, em relação ao revelar o sonho e a sua interpretação, que “não há ninguém sobre a terra que possa declarar a palavra ao rei (…) senão os deuses, cuja morada não é com a carne” – v. 10,11. Estes que eram profissionais da mentira, agora vão reconhecer a única verdade, a mesma que o profeta Daniel irá confirmar ao rei, ao dizer: - “(…) o segredo que o rei requer, nem sábios, nem astrólogos, nem magos, nem adivinhos o podem descobrir ao rei. Mas há um Deus nos céus o qual revela os segredos”, pois Ele e só Ele “faz saber o que há-de ser no fim dos dias” – v. 27,28. Assim, quanto ao “conhecer o amanhã” é algo que está vedado a qualquer criatura, tal como aqui pudemos ver, não só a estes profissionais das ciências ocultas como também ao seu patrono – Lúcifer, Satanás – que, também ele, não passa, contrariamente à sua vontade – de uma criatura de Deus – nada mais (cf. Ezequiel 28.15)!
Assim, devido à incapacidade humana de revelar o amanhã e perante a ameaça de morte que pairava no ar – Daniel 2.13-15 - para todos os sábios de Babilónia e incluindo Daniel e os seus amigos, o profeta recorre, através da oração – v. 19-23 - à única fonte credível – “ao Deus do céu” – v. 18. Através desta, não somente Deus lhe revela “o profundo e escondido” – v. 22 – como também O louva por todas as bênçãos recebidas – v. 23.

II- A estátua – a interpretação
O sonho tinha como figura central uma grande estátua, tal como se encontra descrita nestes termos: - “A cabeça daquela estátua era de ouro fino; o seu peito e os braços de prata; o seu ventre e as suas coxas de cobre; as pernas de ferro; os seus pés em parte de ferro e em parte de barro. E estavas a ver tudo isto, quando uma pedra foi cortada, sem mão, a qual feriu a estátua nos pés de ferro e de barro e os esmiuçou (…) mas a pedra que feriu a estátua se fez um grande monte e encheu a terra” – v. 32-35.

a) A interpretação – v. 37-45

* A cabeça de ouro = Babilónia (v. 32,38)
A explicação dada por Daniel mostra que a história não pára em Babilónia, contrariamente ao que o rei pensava, pois lhe sucederão mais alguns impérios, tal como a História se encarregará de mostrar. O período de domínio de Babilónia estender-se-á desde 605 a. C. até à sua queda, em 539 a. C. pelo poder seguinte – os Medo Persas.

* Peito e braços de prata = Medo Pérsia (v. 32,39)

Na interpretação do sonho não encontramos, à excepção de Babilónia os nomes dos impérios seguintes, a não ser ao longo do mesmo livro. Ao designar o poder seguinte, o profeta fá-lo através destas palavras quando se dirige ao último rei de Babilónia: - “o teu reino foi dividido e deu-se aos medos e aos persas” – Daniel 5.28.
Tal como a profecia apontava, assim aconteceu – “um reino inferior ao teu” – v. 39. Portanto, do metal ouro se passou para a prata (v. 32) para caracterizar o poder agora dominante. A queda do poder Medo Persa é ilustrado pela visão que encontramos mais à frente, ao referir que “o carneiro (Medo Persa) tinha duas pontas, uma mais alta do que a outra. (…)” – Daniel 8.3. O profeta não nos deixa especular sobre o significado do carneiro e por isso revela que “Aquele carneiro que viste com duas pontas são os reis da Média e da Pérsia” – Daniel 8.20.
O período deste segundo poder estendeu-se desde 539 a. C. (queda de Babilónia), até ao ano 331 a. C., data da derrota e massacre do exército persa na batalha de Arbela por Alexandre Magno ilustrado desta maneira pelo profeta: - “o bode (Grécia) chegou perto do carneiro, feriu-o e quebrou-lhe as duas pontas” – Daniel 8.5,7.

* Ventre e coxas de cobre = Grécia (v. 32,39)
Não deixa de ser curiosa a maneira como o profeta descreve o terceiro poder. Enquanto que para o segundo é dito unicamente que “seria inferior” ao primeiro, ao apresentar o terceiro diz que “terá domínio sobre toda a terra” – v. 39b.
Esta particularidade aponta para um poder guerreiro, conquistador a exemplo do primeiro – Babilónia – na pessoa de Nabucodonozor. Na descrição da estátua, o profeta não refere o nome deste terceiro poder. No entanto, no mesmo livro, mais adiante, encontramos claros indícios deste mesmo poder, a saber: “um leopardo que tinha quatro asas e quatro cabeças” – Daniel 7.6; ou “o bode vinha do ocidente (…) e estando na sua maior força, aquela ponta foi quebrada e subiram no seu lugar quatro também notáveis que se levantarão da mesma nação, mas não com a força dela” – Daniel 8.5,8,22.
Uma vez mais, o profeta revela-nos quem é esta terceira potência que surgiria de uma forma tão rápida “mas sem tocar no chão” – Daniel 8.5 – ao dizer que: – “o bode peludo é o rei da Grécia” – Daniel 8.21.
A hegemonia grega deveria durar de 331 a. C. a 146 a. C.

* Pernas de ferro = Roma (v. 33,40)
O profeta, contrariamente ao que vimos acima, nada revela acerca deste quarto poder a não ser que será caracterizado pelo ferro e com outras particularidades “terrível e espantoso” – Daniel 7.7. No entanto, quem consultar a História antiga sem quaisquer pressupostos e sem querer fazer dizer o que ela não diz, chegará à seguinte conclusão: depois dos impérios babilónico, medo-persa e grego-macedónio, o quarto império predito pelo profeta Daniel não poderá ser outro a não ser Roma.
Para definir a carácter dos Romanos, nada melhor do que a imagem que o profeta nos dá – o ferro. Tudo neste poder, a bem dizer, era de ferro. A sua forma de governo era férrea; eram inflexíveis, duros e impiedosos. A sua coragem, como povo, era de ferro, cruel, sanguinária e indomável. No domínio militar, os seus soldados eram de ferro e poucos soldados estavam armados para o combate como eles. A sua disciplina era de ferro, assim como o seu jugo sobre os povos vencidos.
O poder de Roma foi exercido desde o ano 146 a. C., ano em que a Grécia se tornou uma província de Roma até ao ano 476 d.C. em que o bárbaro Odoacro aniquila o último imperador do império Romano do Ocidente, Rómulo Augústulo.

* Pés em parte de barro e de ferro = Roma (v. 33,41-43)
Podemos ver aqui perfeitamente delineado um novo reino, embora pertencendo ao quarto poder, pois contém ainda ferro, no entanto é totalmente distinto dele. É, sem dúvida alguma, uma associação muito estranha, a qual nos deixa intrigados.
O profeta acrescenta que devido à sua estranha composição “será um reino dividido” – v. 41 – e, por conseguinte, será um reino com duas faces “uma parte será forte e outra fraca” – v. 42.
Antes de entrarmos em alguns considerandos convinha não perder de vista que o objecto principal das profecias do livro de Daniel não se resume unicamente aos aspectos políticos mas, também e acima de tudo apontando para a revelação de acontecimentos de ordem religiosa.
Que dizer da mistura do ferro e da argila? É um detalhe que chama a nossa atenção. Assim, cerca de sete vezes é mencionada a argila ao lado do ferro, ou seja: três vezes na descrição da estátua (v. 33-35); quatro vezes na explicação que o profeta dá desta (v. 41-45). Portanto, salta aos olhos uma certa insistência do profeta para esta particularidade, a qual deverá, certamente, ter um significado muito mais amplo do que querer dizer “fraco” em termos políticos! As repetições sucessivas chamam-nos à atenção para pequenas particularidades existente no texto.
Assim, por duas vezes na descrição da estátua, nos é revelado que são os “pés” que são “em parte de ferro e em parte de barro” – v. 33,34. Na explicação da estátua, diz-nos que “e ao que viste dos pés e dos dedos em parte de barro de oleiro e em parte de ferro, este será um reino dividido” – v. 41. De seguida, é dito que “E como os dedos dos pés eram em parte de ferro e em parte de barro, assim por uma parte o reino será forte e por outra será frágil” – v. 42. O que podemos ver nestes textos? Certamente que deverá ter algo que possa complementar a interpretação, pois é neste sector do texto que se encontra – a explicação da estátua. Assim, podemos ver:

- Em primeiro lugar, nesta continuada menção podemos aperceber-nos de um certo elemento cronológico, na medida em que a “aliança” ferro/barro encontramo-la, pela primeira vez, nos pés (v. 33,34).
- De seguida, o profeta a referencia tanto nos pés como nos dedos (v. 41).
- Finalmente, Daniel dá a conhecer que esta somente se encontra nos dedos (v. 42).
Na explicação que o próprio profeta dá acerca desta aliança, não fala de muitos reinos mas, declara que “este reino será dividido” – v. 41, 42, tratando-se, portanto, daquele que, na profecia está representado pelos “pés e dedos” – v. 41. Assim sendo, aconteceria em algures na História, um elemento de cisão que tornaria toda e qualquer união impossível, apesar de “misturarem-se com semente humana, mas não se ligarão um ao outro” – v. 43. Cronologicamente, o “barro” está presente antes da divisão do império Romano em dez, visto que, em primeiro lugar, ele aparece nos pés, depois pés e dedos e, finalmente, unicamente nos dedos dos pés.
Até ao v. 44 não se fala a não ser de um único reino, o quarto – o império Romano - que conhecerá uma divisão visto que no seu seio existe, efectivamente algo de tão estranho que o tornará “em parte forte e em parte frágil” – v. 42.
Para que a interpretação do sonho esteja completa é necessário termos em conta todos os elementos da estátua e não, unicamente, os metais. Como nos podemos aperceber, a profecia referencia com muito ênfase o barro, menção que não encontramos em relação aos metais componentes da estátua. Que representará o barro, visto ser chamado a desempenhar um papel tão importante na última fase da história do quarto império – o de Roma?

* O barro

Como vimos, a união do ferro com o barro, elementos constituintes do reino, sugerem a coabitação de dois poderes de natureza diferente. Um, constituído por ferro, referência a Roma, é de natureza política; o outro, de barro, um material inesperado em relação à menção dos metais, indica claramente a existência de um poder de natureza diferente. A menção do barro tem, efectivamente, uma coloração claramente religiosa.
Note-se que o profeta, a este propósito, acentua algo de particular “barro de oleiro” – v. 41. Na linguagem bíblica esta imagem reporta-nos, de imediato, ao relato da criação do homem, recordando-nos a fragilidade humana (Génesis 2.7; Job 10.9; Isaías 45.9; 64.8; Jeremias 18.6; Romanos 9.20,21). Este elemento reforça, sem sombra de dúvida, que este elemento reforça a ideia de acentuar a natureza religiosa deste poder, o que induz a alguns comentários, tais como, por exemplo: - “no plano histórico, isto significa que deveria de aparecer ao mesmo tempo que Roma, mais precisamente no momento das suas divisões, um poder religioso ligado, de uma maneira ou de outra, ao poder político de Roma. Este poder político-religioso deverá de estar presente nos nossos, visto que segundo Daniel este permanecerá até ao fim dos tempos. É necessário render-nos à evidência. Um único poder reúne todas estas condições: - a Igreja. (…). De Constantino até aos Carolíngios, os imperadores combateram para defender e colocar o poder da Igreja. A Igreja instala-se como cidade política: Roma torna-se a cidade do Vaticano”.
Ou ainda, em acordo com o que o profeta Daniel descreve, esta mistura do poder civil e do poder religioso, do poder do Estado e do poder da igreja, é considerada pela profecia como causa de fraqueza e de divisão. Por outro lado, para realçar a existência deste poder tão estranho e sem relação com nada que o anteceda, convenhamos, o profeta menciona a existência do barro! À primeira vista transitar de metais para barro, convenhamos que é algo de inesperado e sem qualquer sentido! Mas à frente do livro, ao repetir a mesma sucessão de impérios, só que por símbolos diferentes, não deixa de ser, de novo, interessante e estranha a maneira como este poder é, de certa forma, catalogado! Na verdade é detectado e apontado como sendo um animal “terrível e espantoso” – Daniel 7.7.
Porquê? Não se estaria a referir a Roma? Se sim, será que na fauna não existiria um animal suficientemente forte para o definir e caracterizar? A exemplo dos reinos anteriores, pensamos que sim. Então, por que é assim tão difícil caracterizá-lo? Uma vez mais tomamos a liberdade de responder: - porque em si mesmo, tal como a sequência do texto profético mostra, continha o germe de um outro poder absurdo que, a seu tempo faria erupção no espaço e no tempo do homem!
Que nos seja permitida esta reflexão: - passaria pela cabeça de alguém, contemporâneo do profeta, por exemplo, assistir à entronização da Igreja, isto é, de oprimida passar a repressora? Ou ainda, ser e constituir, ela mesma, um reino, um Estado no seio do próprio Estado!? Não foi o próprio Jesus a responder a Pilatos de que a Igreja nunca seria um reino político (cf. João 18.36)? Assim sendo, perguntamos: - qual a relação que Roma poderá ter com o Cristianismo? Respondemos: - Nenhuma! Roma está, como sempre esteve, directamente ligada a: - orgias - circo – feras – gladiadores – enfim, numa palavra – morte e muito sangue! E, o que é que os historiadores pensam a este respeito? Vejamos um breve comentário: - “mercê de uma reviravolta imprevista, Roma cessa de ser o bastião do paganismo para se tornar no quartel-general do cristianismo (…)”.
Ora se tivermos tudo isto em conta, de modo algum nos poderemos admirar de não ser possível encontrar quer nos metais, quer nos animais algo que dê continuidade ao que se estava a tratar! Que veria o apóstolo Pedro se ressuscitasse e visitasse Roma? Veria os seus pretensos sucessores e, mais do que isso… um reino… ainda que pequeno (quarenta e quatro hectares). Certamente que, se nada de grave lhe acontecesse, fisicamente falando, sofreria algum choque emocional, pela simples razão de ter deixado tal legado episcopal, mas… sem nunca se ter apercebido de tal facto! Na verdade, o que está em causa é, numa palavra – a consolidação do poder – da Igreja neste mundo! Sim, “O bispo de Roma, tomado de um impulso irresistível, aumenta dia a dia de importância e ei-lo que, no Ocidente, toma o lugar do imperador quando o trono vem a ficar vazio”.
Espantoso! Em termos humanos, quem ousaria supor tal transformação? “(…) os bárbaros que haviam desdenhado uma seita humilde e proscrita, aprenderam rapidamente a estimar uma religião que fora recentemente adoptada pelo maior monarca e pela nação mais civilizada do globo”. Agora, sob este novo estatuto, como exercia, no fundo, a razão de ser da sua existência – a pregação da Palavra de Deus? Para satisfação da nossa curiosidade é-nos dito que: - “A salvação da gente comum era comprada por baixo preço; a ser verdade, num só ano, doze mil homens receberam o baptismo em Roma, para além de um número correspondente de mulheres e crianças, e que uma veste branca, mais vinte moedas de ouro haviam sido prometidas pelo imperador a todos os convertidos”.
Assim, segundo a serva do Senhor, o declínio da força do ferro para a fraqueza do ferro misturado com barro nos pés e nos dedos da imagem, representa não só a “deterioração do poder e da glória dos reinos terrestres, como também a deterioração da religião”.

* A pedra

O profeta revela que “o Deus do céu levantará um reino que não será jamais destruído (…). Do monte foi cortada uma pedra sem mão” – v. 44,45. O facto da pedra ser “cortada sem mão” contrasta com os materiais da estátua, que estão ali sem qualquer iniciativa, sucedendo-se de forma mecânica. Esta pedra tem origem celeste, de outra dimensão diferente da terrena, e não se situa no prolongamento natural dos reinos humanos.
Esta pedra vinda do Alto depois de cumprir totalmente a sua missão, por sua vez formará um reino próprio que, ao contrário dos demais, “será estabelecido para todo o sempre” – v. 44. A pedra-montanha tem o seu próprio momento, um dia no tempo e no espaço da humanidade. De nada valem os planos, as revoltas ou o poder, visto que o reino de Deus terá o seu momento de vitória, não efémera, mas definitiva.
Este prolongamento no amanhã da instauração da pedra montanha - a vinda do Senhor em poder e em glória – coincidirá com o cumprimento do quanto foi anunciado em três fases: 1- às gerações no passado distante, às quais foi proclamada esta mesma esperança, da qual “(…) profetizou também Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que é vindo o Senhor com milhares de seus santos” – Judas 14; 2- às gerações contemporâneas do Senhor, o qual disse aos crentes do Seu tempo: - “(…) virei outra vez e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também” – João 14.3; 3- a esta geração e/ou às vindouras : - “mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra em que habita a justiça” – II Pedro 3.13.
Sim, foi dito ao rei e reiterado aqui e agora “o que há-de ser depois disto; e certo é o sonho e fiel a sua interpretação” – Daniel 2.45. O rei reconheceu que o Deus de Daniel está acima de todos os deuses de Babilónia. De igual modo, perante tudo isto, deveremos fazer nossas as palavras do rei a Daniel, a propósito de Deus: - “Certamente o vosso Deus é Deus dos deuses e o Senhor dos reis e o revelador dos segredos (…)” – v. 47. Sim, na realidade é o que mais tarde a Palavra de Deus irá ensinar a todos aqueles que se sintam Seus filhos – a reconhecer o quanto Nabucodonozor afirmou de Deus – Senhor dos Senhores e Rei dos Reis. Esta verdade encontramo-la três vezes nas Escrituras: I Timóteo 6.15; Apocalipse 17.14; 19.16.
Através do sonho da estátua, Deus transmitiu a Nabucodonozor a verdade de que Ele exerce o Seu poder não só nos céus, mas também aqui na Terra, controlando o curso da História humana.

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