segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O PURGATÓRIO

Existe, dizem, um determinado lugar onde se reúnem os Espíritos de todos os que morrem. Esta doutrina contraria frontalmente o claro ensino das Escrituras. Este local tem um nome – Purgatório! Aqui a Alma de tal pessoa purgará os seus pecados antes de possuir a eternidade!

1- As Origens
Analisemos, sumariamente, onde tudo isto começou, para que possamos sentir que esta ambiência nada tem com Deus. Os sábios da Grécia recusavam-se admitir que um ser como o homem pudesse, unicamente, estar confinado a um lugar na terra! Era necessário, que os seus feitos, a sua fama, fossem transportados para lá da memória. Assim “nesta favorável disposição recorriam à ajuda da ciência, ou melhor, à linguagem da metafísica. Não tardaram a descobrir que, dado nenhuma das propriedades da matéria se aplicar às operações da mente, a alma humana devia consequentemente ser uma substância distinta do corpo, pura, simples e espiritual, incapaz de dissolução e susceptível de um grau muito elevado de virtude e felicidade, após a saída da sua prisão corpórea”.

a) Concepção pagã de purificação após a morte

Esta noção de purificação está ligada ao filósofo grego Platão, que viveu no século IV a. C. Deste, chegou até nós uma obra em forma de diálogo que se chama Fédon. Vejamos alguns excertos:
1) A alma é exterior ao corpo - “E esta libertação e separação da alma em relação ao corpo não será aquilo a que se chama a morte? É exactamente isso”.
2) Definição do local para onde as almas vão - “O Aqueronte, para onde se dirigem as almas da maior parte dos mortos. Depois, de aí permanecerem um tempo marcado pelo destino, umas mais tempo, outras menos, são de novo mandadas para renascer no meio dos vivos”.
3) Os que tiveram um porte mediano de comportamento - “Aí ficam a residir enquanto se purificam. Se cometeram injustiças, pagam a respectiva pena e são absolvidos; se praticaram boas acções, obtêm a recompensa, cada um segundo o próprio mérito”.
4) Os que são considerados como incuráveis - “Devido à enormidade dos seus crimes, por haverem cometido múltiplos e graves sacrilégios, inúmeros homicídios contra a justiça e a lei ou qualquer outro delito do mesmo género, a esses cabe a sorte de serem precipitados no Tártaro, de onde não voltarão mais a sair”.

Um pouco mais à frente é dito que “defender que tais coisas sejam como eu as descrevi não é próprio de pessoa sensata; todavia, parece-me que assim, ou mais ou menos assim, deva ser no que se refere às nossas almas e às suas moradas, pois que aceitámos ser a alma imortal. Não é presunção defender tal coisa e, acreditando nela, vale a pena correr tal risco, um risco que é belo” (sublinhado nosso).
Para quê, prezado leitor, “correr tal risco” se a certeza, a VERDADE, está tão claramente demonstrada na Palavra de Deus?! É sobre esta forma de actuar que a Bíblia aconselha a toda a confissão religiosa, o seguinte: “Nada acrescentes às suas palavras, para que não te repreenda e sejas achado mentiroso” – Provérbios 30:6.
Vemos assim que, entre os pagãos, ao introduzir-se o cristianismo no mundo greco-romano, se acreditava na possibilidade de uma purificação após a morte. Quanto à Patrística e respectiva Igreja de Roma, não fizeram mais do que dar continuidade a esta crença que floresceu nesta sopa em que se tornou o cristianismo!

2- Os Apócrifos
Nada condizia nem condiz com nada e cada um ensinava, cria e praticava como era seu desejo, visto que a Norma, o Cânone, era, agora, após Trento, um todo confuso e contraditório! Enfim, um Cânone que se limitava-se a possuir unicamente o nome, nada mais! Assim, graças aos Apócrifos, se encontram, finalmente, justificadas as seguintes doutrinas, muito embora as Sagradas Escrituras as condenem claramente! Vejamos:
a) Oração em favor dos defuntos e sacrifício expiatório – “Porque, se não esperasse que os mortos ressuscitariam, teria sido vão e supérfluo rezar por eles. (…). Era este um pensamento santo e piedosos. Por isso, pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres das suas faltas” – II Macabeus 12:44,46.
b) Oferta que expia os pecados e livra da morte - “Em verdade, a esmola liberta da morte e não permite que a alma desça para as trevas” – Tobias 4:10. “Pois a esmola livra da morte e limpa de todo o pecado” – Tobias 12:9.
c) Invocação e intercessão dos santos - “Onias que tinha sido sumo sacerdote (já falecido) (…) com as mãos levantadas orava por todo o povo judeu” – II Macabeus 15:12. “Senhor, Todo-Poderoso, Deus de Israel, ouvi a oração dos mortos de Israel (…)” – Baruc 3:4.

3- A Doutrina
Historicamente falando, o verdadeiro pai da ideia de um Purgatório foi o bispo de Hipona, St. Agostinho (354-430).
Recordamos que a Igreja Romana para poder fundamentar as suas doutrinas, teve que recorrer, seja à Tradição seja aos livros Apócrifos. A homologação da Tradição e dos Apócrifos ao nível das Escrituras, irá ser decretada nos Concílios. Assim, esta confissão religiosa define-o assim: “(…). Há um Purgatório e as almas, ali detidas, são socorridas pelas orações dos fiéis e especialmente pelo aceitável sacrifício do Altar”. Depois, o Catecismo, refere que a formulação doutrinária inerente foi elaborada no Concílio de Florença (1439) e no de Trento (1545-1563). O apoio escriturístico da doutrina, isto é, - a prática da oração em favor dos mortos - encontra-se, dizem: - “na Sagrada Escritura”! Perguntamos: Mas, em que Escrituras? E quando vamos procurar nas ditas Escrituras encontramos unicamente a menção do lote dos – Livros Apócrifos! Livros que este sistema religioso sabe perfeitamente, assim como toda a cristandade restante que estes não pertencem ao Cânone Sagrado!
No entanto, para provarem as suas doutrinas, meramente humanas, vão ao ponto de reafirmar que estes livros têm autoridade! Qual a base de apoio a tal postulado? A inspiração divina? Eis a resposta que não deixa margem para dúvidas: “Estes livros, porém, têm precisamente a mesma autoridade que tem o Evangelho de S. Mateus, ou qualquer outra parte da Bíblia; porque a canonicidade das Sagradas Escrituras baseia-se unicamente na autoridade da Igreja Católica, que as proclamou inspiradas”. Respondido assim com tal prepotência, quanto a nós, ficámos esclarecidos!
O Papa João Paulo II, após lhe ter sido perguntado se realmente existia o Paraíso, o Purgatório e o Inferno, respondeu assim acerca do Purgatório: “Um argumento muito convincente acerca do purgatório foi-me oferecido, para além da bula de Bento XII, no século XIV, pelas obras místicas de S. João da Cruz. A chama viva de amor, de que fala, é antes de mais uma chama purificadora. As noites místicas, descritas por este grande doutor da Igreja a partir da sua própria experiência são, em certo sentido, aquilo que corresponde ao purgatório” (sublinhado nosso). Perguntamos: onde está, uma vez mais a base escriturística para tal doutrina? Uma vez mais, unicamente nos pensamentos e palavras humanas!
Cremos ter toda a razão de ser, invocar aqui a parábola do Rico e do pobre Lázaro. Sem entrarmos na profundidade das lições que encerra e para trazer um pouco de luz à temática que estamos a abordar, destacaremos um pormenor tremendamente importante e elucidativo. Qual o contexto? A parábola refere que “morreu o mendigo e foi levado para o seio de Abraão; morreu o rico e foi sepultado” – v. 22. Depois, este de onde estava “no inferno e viu Lázaro no seio de Abraão” – v. 23. A seguir solicita a Abraão para que tenha misericórdia dele e que mande Lázaro para o aliviar dos seus tormentos – cf. v. 24. Depois, Abraão recorda-lhe que isso não pode acontecer, pois está um em cada lado – cf. v. 25,26.
Finalmente chegamos ao interessante v. 26 que diz: “Além disso, entre nós e vós foi estabelecido um grande abismo, de modo que, se alguém pretendesse passar daqui para junto de vós, não poderia fazê-lo, nem tão pouco vir daí para junto de nós” – S. Lucas 16:26 (sublinhado nosso). Este interessante texto suscita-nos uma pergunta: por que é que não existe aqui o tal lugar intermediário como o ensina esta confissão religiosa? O prezado leitor saberá responder? Quanto a nós, também reconhecemos a nossa ignorância! O que sabemos, à luz do texto, é que de um lado para o outro não há qualquer ponte de acesso! Por outro lado, Jesus mostra-nos que não conhece nem reconhece qualquer doutrina que se assemelhe à do purgatório! Tão simples, não é verdade? Quanto a nós cremos que sim!

Conta-se que certa vez, um sacerdote sem grande experiência e acabado de chegar à sua nova paróquia, viu-se confrontado com algumas perguntas embaraçosas sobre este assunto. As pessoas perguntavam para onde iam os mortos, se ali eram felizes ou não! Em caso contrário, quando saiam de lá para outro local mais agradável? Mas a pergunta mais difícil de responder era a seguinte: «Quantas missas eram necessárias para sufragar uma alma»?
O jovem sacerdote, embaraçado com estas questões, resolveu apresentá-las ao seu superior hierárquico, visto que não sabia quantas missas eram necessárias para que uma alma transitasse do purgatório para o céu? Com todo o ar paternalista, este velho homem experiente, disse-lhe:
- Meu filho, tu não sabes quantas missas são necessárias para sufragar uma alma?
O jovem olhou para o seu superior e respondeu candidamente:
- Não sei – foi a resposta!
De seguida, o seu interlocutor disse:
- Bem… as missas necessárias para sufragar uma alma, para que esta possa transitar do purgatório para o céu, meu filho, são tantas quantas as bolas de neve necessárias para acender uma fogueira!

O prezado leitor já experimentou, no Inverno, acender a sua lareira na sala com a ajuda de bolas de neve? Quantas serão necessárias? Pensamos que será muito difícil, para não dizer, impossível, com elas acender seja o que for! Muito menos uma fogueira!
Os mortos, segundo as Escrituras, aguardam na sepultura a ressurreição para a vida eterna, pelo poder da voz de Deus. Recordemos a morte e ressurgimento de Lázaro - o amigo de Jesus - aquele que morava em Betânia. O texto diz que, só quatro dias, após a sua morte é que Jesus chegou junto da família enlutada! Depois, acompanhado das irmãs do falecido, dirigiu-se ao túmulo onde Lázaro fora sepultado. Ali, Jesus fala para dentro do túmulo. Repare nas palavras de Jesus: bradou em alta voz, dizendo: “Lázaro, sai para fora. E o defunto saiu (…)” - S. João 11:43,44. Ora, o que é que aconteceu ali, quais os factos, após Lázaro ter saído do túmulo? Vejamos:

1- Total inconsciência do ressuscitado – desde a altura que ali foi colocado, até que saiu!
2- Jesus não ordenou: “Espírito, desce”! mas - “Lázaro, sai”!

Como podemos ver, uma vez mais, se o espírito se encontrasse em algures e consciente, então por que é que o Senhor não ordenou: “Espírito, desce”? Realmente, prezado leitor, já reparou que, quando nos afastamos da clareza dos ensinos da Palavra de Deus, não sabemos como responder! Já prevendo situações embaraçosas, S. Paulo nos deixou escrita esta tão preciosa informação: “Não queremos, irmãos que ignoreis coisa alguma a respeito dos mortos, para não vos entristecerdes como os outros que não têm esperança (…). Por ocasião da vinda do Senhor, nós, os que estivermos vivos, não precederemos os mortos. Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o próprio Senhor descerá do Céu e os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro. Depois, nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles sobre nuvens; iremos ao encontro do Senhor nos ares e assim estaremos para sempre com o Senhor. Consolai-vos, portanto uns aos outros com estas palavras”- I Tessalonicenses 4:13-18.
Que palavras! Que esperança! Que consolo! Graças a Deus que não nos deixou na ignorância acerca dos que já dormem (morreram). É esta, prezado amigo, a bendita esperança de todo o cristão, de todo aquele que interioriza o ensino da Sagrada Escritura.
Como já acima abordámos, para as duas mulheres (Igrejas), Deus tem um “resto” – a Igreja, aquela que observa e guarda a Palavra, a Verdade – para o nosso tempo. Resta-nos uma suprema certeza: A Palavra de Deus não mente acerca de qualquer assunto. Na carta de Tiago, a este propósito é-nos dito que: “na esperança da vida eterna prometida desde os mais antigos tempos pelo Deus que não mente” - Tito 1:2
A doutrina bíblica, ela, prezado leitor, é justa, porque os vivos determinam o seu próprio destino. Recorde-se do que já referimos atrás – as indulgências! Estas serviram, no passado, para explorar escandalosamente os crentes vivos, pobres e ricos, sob o pretexto de ajudar os mortos a saírem o mais rapidamente possível de um purgatório imaginário que a Bíblia, como vimos, ignora totalmente.
Martinho Lutero, como vimos, indignou-se com esta forma de extorsão de dinheiro ao pobre crente, quando ele sabia que “a Igreja do Castelo de Vitemberg continha relíquias capazes de assegurar aos devotos cerca de cento e trinta mil anos de indulgências”! Relíquias, e coisas afins! A salvação à mercê de coisas feitas e existentes à imagem e semelhança humanas – para os crentes! E quanto à Igreja que as inventava? “ As relíquias dos santos valiam mais do que o ouro ou as pedras preciosas; estas incitaram o clero a multiplicar os tesouros da Igreja. Sem muita atenção à verdade ou à probalidade, os padres inventaram nomes para esqueletos e acções para nomes”.
Prezado amigo, não se ganha o céu num hipotético e imaginário purgatório ou noutra forma de existência qualquer! É aqui e agora que tudo se joga – durante a nossa vida. Quanto ao mais, tudo não passa de ideias, de comentários meramente humanos!

BIBLIOGRAFIA:
Edward Gibbon, op. cit, Vol. I, pp. 180,181
Pierre Ducassé, As Grandes Correntes da Filosofia, 5ª ed., Lisboa, Ed. Europa-América, 1970, p. 30
Platão, Diálogos III – Apologia de Sócrates Críton, Fédon, 2ª ed. Lisboa, Ed. Europa-América, sd., Fédon, cap. XII, p. 98
Idem, cap. LXI, p. 159
Idem, cap. LXII, p. 160
Ibidem
Idem, cap. LXIII, p. 161
Na nota 14 de rodapé, da Bíblia dos Capuchinhos, esclarece-nos: “A passagem diz-nos como é eficaz a oração dos santos (mortos) perante Deus”.
Cf. Jacques Le Goff, O Nascimento do Purgatório, 2ª ed., Lisboa, Ed. Estampa, 1983, pp. 84-86
Cardeal Gbbons, op. cit., p. 209; Cf. Catecismo, p. 232, nº 1031
Catecismo, Idem
Idem, p. 233, nº 1032
Cardeal Gbbons, op. cit., p. 210
João Paulo II, Atravessar o Limiar da Esperança, pp. 165,172
J. Jeremias, As Parábolas de Jesus, p. 186

Nota: O nosso sincero agradecimento ao Dr. Ilídio Carvalho, mais um tema fascinante que nos oferece, claro e de palavra inteira, eis como ele trata o tema do Purgatório.

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