domingo, 31 de outubro de 2010

A DOAÇÃO DE CONSTANTINO À IGREJA ROMANA

Carlos Martel vencendo os árabes em Poitiers
Na época de Carlos Martelo e de Pepino, o rei Lombardo ameaçava a liberdade de Roma. Nesta altura, o papado não possuía nenhuma terra, nenhum território além do palácio episcopal de Latrão.
Querendo ter poder temporal e exercer a sua influência, para tal era necessário equiparar-se a um monarca temporal! Embora embrionário, o sistema papal, sempre desejou ter este mesmo protagonismo temporal. Querendo satisfazer esta ambição e ter um papel no campo da política, era necessário, tal como qualquer soberano – Poder! Enfim possuir um domínio sobre terras, bens e pessoas!
A ocasião não se fará tardar! Astolfo, novo rei Lombardo põe termo ao domínio Bizantino na Itália central ao subjugar e tomar o Exarcado de Ravena, em 751. O pontífice romano ao aperceber-se da impotente ajuda do imperador, ausente em Constantinopla, e para fazer face a esta ameaça, volta-se para os Francos – França.
Nesta altura, exercia o seu pontificado em Roma o Papa Estêvão II (752-757). Este dirige-se a França e ali, acolhido favoravelmente no “Mosteiro de S. Dinis, colocou o diadema na cabeça do seu benfeitor.” Em troca, o rei dos Francos – Pepino, o Breve – promete ajudá-lo contra a ameaça Lombarda. A aliança entre o Papa e a dinastia Franca fora assim concluída. Devido a duas campanhas militares, em 754 e 756, Pepino obrigou Astolfo a abandonar o Exarcado de Ravena e restituí-lo ao papa.
Neste Exarcado estavam incluídos os territórios de Ravena, Bolonha e Ferrara; quando o reino Lombardo foi dissolvido, o ducado de Espoleta veio engrossar os territórios entregues ao pontífice. Esta superfície territorial compõe a área dos Estados da Igreja.
Agora, a situação do pontífice romano era totalmente diferente, pois “a magnífica doação fora outorgada em plena e absoluta soberania; aos olhos do mundo surgiu, pela primeira vez um bispo cristão investido das prerrogativas de um príncipe temporal: nomeação de magistrados, o exercício da justiça, a cobrança de impostos e a riqueza do palácio de Ravena”.
O leitor certamente se perguntará por que é que o rei de França doou tudo isto ao bispo de Roma, não é verdade? Será só por que o monarca assim o quis ou poderá ter sido por outra razão? Parece que a unção do rei teve a ver com algumas contrapartidas e cedências da parte do monarca Franco. A coroação e o reconhecimento da monarquia Franca, passava pela ajuda a conceder ao bispo de Roma e a consequente “devolução” dos territórios usurpados pelos Lombardos!
Assinalamos aqui a existência de um documento chamado – Doação de Constantino - documento, supostamente elaborado e entregue pelo imperador Constantino (311-324), ao pontífice Silvestre I (314-335). Este documento foi levado pelo Papa Estêvão II ao soberano Franco para que este conhecesse o quanto tinha sido usurpado ao pontífice e que era necessário reaver! O documento tem o seguinte teor: “(…) E para que a dignidade pontifícia não seja inferior, mas que tenha uma dignidade e glória maiores que as do Império terreno, como possessões de direito da Santa Igreja Romana (…), a cidade de Roma e todas as províncias, distritos e cidades de Itália e do Ocidente”. Foi graças a este documento que o bispo de Roma pôde alcançar o seu propósito - competir e, dentro do possível, superar qualquer monarca!
Quanto a este documento, não se conhece a data da sua elaboração; em todo o caso “investigações recentes sugerem ter sido elaborado, trecho a trecho, em diferentes passos a partir de 754”.
Portanto temos um documento do século VIII e não do IV, como fizeram crer! Esta fraude foi descoberta, devido ao desenvolvimento da disciplina da Diplomática, por “Lorenzo Valla (1407-1457), pai da famosa Declamatio, na qual ficou demonstrado que o imperador Constantino não é o autor do documento no qual se faz doação ao Papa de uma parte do seu império”. Não deixa de ser interessante o comentário feito por um sacerdote acerca deste preciso contexto de doações. Ao comentar alguns aspectos do pontificado de Estêvão II, assim como as doações do monarca Franco ao pontífice romano, acrescenta: “Não era ainda o poder temporal, mas os alicerces estavam lançados”.
Nunca, na anterior História do papado, fora posta a questão do bispo de Roma assumir o poder temporal e governar como um rei territorial! É, no mínimo, de ficar pasmado! Cristo, como acima já o referimos, sempre pautou pela simplicidade, enquanto que os que sucessivamente encabeçam a Sua “continuidade”, estes procedem, ao invés, do exemplo do Seu Senhor!
Que dizer de Simão Barjonas, aquele que, asseguram, está na origem da sucessão pontifícia? Mais adiante teremos oportunidade de falar nisto em detalhe. Como é possível comparar o simples e humilde apóstolo com esta confissão religiosa que se diz sua sucessora? Nada tem de comparável! A exemplo do Mestre, ele pôde dizer a quem dele precisava: “Não tenho ouro nem prata, mas vou dar-te o que tenho: Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda” - Actos 3:6. Apesar destes exemplos tremendamente esclarecedores, o que é que se tem passado ao longo do tempo? Quanto a nós, das duas uma: 1- Ou os, pretensos, sucessores se perverteram totalmente, e a história que o diga! 2- Ou o apóstolo nunca imaginou que iria, um dia, ter sucessores e, ainda por cima, mais poderosos do que qualquer monarca temporal!
Quanto a nós, à luz das Escrituras, não encontramos qualquer explicação nem justificação para a existência de tal sistema religioso, como para a opulência e ostentação em que sempre viveu! À luz da História, estes ditos sucessores do pobre Simão Barjonas, têm um percurso nada recomendável e, na sua grande maioria, nada tiveram de representantes de Deus! O prezado leitor ainda tem dúvidas? Se acha que estamos a ser exagerados, então tenha a bondade e a curiosidade de consultar qualquer livro de História da Igreja e verá quão triste, confuso e tenebroso tem sido o percurso desta confissão religiosa que, paradoxalmente, se considera a mãe da cristandade e que muitos dizem, porque não conhecem bem, ter orgulho a ela pertencer!

Bibliografia:Edward Gibbon, op. cit., Vol. II, p. 221
Cf. Jacques Ellul, Histoire des Institutions – Le Moyen Age, 9ª ed., Paris, Presses Universitaires de France, 1982, Vol. 3, p. 95
Edward Gibbon, op. cit., vol. II, p. 223
José A. G. Cortazar e Ruiz de Aguirre, Historia General de la Alta Edad Media, Madrid, Ed. Mayfe, 1970, p. 177
Geoffrey Barraclough, op. cit., p. 46
Charles- Olivier Carbonell, Historiografia, Lisboa, Ed. Teorema, 1987, pp. 82,83
Heitor Morais da Silva, S.J., op. cit., p. 107

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