segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A BÍBLIA E O SÁBADO

Cada confissão religiosa tem uma ou várias particularidades que a diferenciam das demais; a – Igreja Católica Apostólica Romana – não seria, de modo algum, excepção.
Mas, atenção! Uma coisa é inventar uma doutrina estranha e a ensinar ao mais comum dos mortais; outra é encontrar essa dita “doutrina” no Livro dos livros – as Escrituras!
Sob este título o autor, antes de refutar seu interlocutor, diz que: “os Adventistas do Sétimo Dia dão um valor especial ao Sábado (sétimo dia), uma vez que a Bíblia impõe o Sábado como dia sagrado instituído pelo próprio Deus. Para Ernesto Ferreira, seguindo sempre o seu historicismo fundamentalista (…)”. Por aqui se poderá adivinhar que qualquer diálogo de cariz ecuménico está, à partida, excluído!
O respeitoso prelado irá, de seguida, transcrever alguns textos apontados pelo interlocutor - Génesis 2:2,3 e outros – de onde este último conclui que:

1- “(…) O Sábado foi instituído cerca de dois mil anos antes de Abraão (…)”.

2- “Vemos, pois, que vinte séculos antes de haver Judeus já fora instituído o Sábado – para todos os homens”.

3- “E se o Sábado deve levar os pensamentos para o Criador, e se o Criador foi o próprio Cristo, concluímos que o Sábado é um dia eminentemente cristão”.

4- Portanto “a mudança do Sábado para o Domingo não foi operada por autoridade das Escrituras mas por iniciativa da Igreja de Roma”.

De seguida, para responder às conclusões do seu interlocutor, o nosso autor diz: “Interessa-nos fundamentar a mudança do Sábado para o Domingo à luz da Bíblia e também à luz da tradição mais primitiva, já expressa na própria Bíblia (…). E como Jesus Cristo não escreveu nada, não mandou escrever nada, mas apenas pregar, ensinar, baptizar, é a sua vida e o seu ensino que determina o futuro da Igreja e o seu processo histórico”. 
Vejamos os textos que o autor cita para, tal como o afirma, para “fundamentar a mudança do Sábado para o Domingo à luz da Bíblia e também à luz da tradição mais primitiva, já expressa na própria Bíblia” assim como quanto a Jesus: “a sua vida e o seu ensino que determina o futuro da Igreja e o seu processo histórico”. Sigamos, portanto, o seu esclarecido raciocínio nestas duas vertentes:

a) Isaías 1:13
No propósito de desacreditar a sacralidade do Sábado, o autor chega ao extremo de apontar este texto de Isaías, para dizer que “já Isaías dava mais valor ao homem do que ao Sábado e às festas litúrgicas do templo” . Vejamos, em mais profundidade, a referência bíblica proposta que diz: “Não me ofereçais mais sacrifícios sem valor; o incenso é-me abominável; os Sábados, as reuniões de culto, as festas e solenidades são-me insuportáveis (…) estou cansado deles.” - Isaías 1:13.
Quanto a nós, e sempre dentro do ponto de vista do autor, tomaremos a liberdade de lhe dar uma ajuda para que se torne ainda mais hostil o clima contra a (aparente) observância do “Sábado”! Assim, já que o autor, para defender o seu ponto de vista cita o texto do profeta Isaías, nós tomaremos a liberdade de citar, dentro deste preciso contexto ritual, outros autores bíblicos. Como iremos ver, o formalismo tinha adquirido tal proeminência, que nada mais restava, ao professo povo de Deus, a não ser um culto formal e ritual, sem qualquer vida e significado, que prestavam ao Senhor! Vejamos:


• “O Senhor aboliu em Sião, festas e Sábados (…). “ - Lamentações 2:6
• “Aos seus divertimentos porei fim; às suas festas, às suas luas novas, aos seus Sábados e a todas as suas solenidades.” - Oseias 2:11,13
Que extraordinário! Que a generalidade das confissões religiosas tente subverter os textos para dizer que o Sábado acabou, ainda o admitimos, pois não passam de pequenos desvios em defesa dos seus pontos de vista! Não num teólogo deste gabarito! Convenhamos que é muito forte! E porquê? Pela simples razão de que esperávamos, sinceramente, muito mais! Aguardávamos um raciocínio mais clarividente e totalmente incontestado, biblicamente falando…mas não, para desencanto nosso!
Repetimos: que por razões que nos ultrapassam se ponha em causa o Sábado no Novo Testamento, tal procedimento não nos parecerá lá muito estranho, visto que a maioria da cristandade diz que veio a este mundo, na pessoa de Jesus, um Deus diferente! Ou seja, veio proclamar um estilo de vida, ensinos e preceitos diferentes! Mas, para a ambiência do Antigo Testamento, convenhamos que é um bocado forte, a todos os níveis, até por que, mais que não fosse, o povo vivia sob uma teocracia, apesar dos seus constantes desvios, quer pela parte dos sucessivos monarcas, quer por algumas largas franjas do povo! Mas, mesmo assim, para lembrar estes constantes desvios, Deus irá falar através dos profetas para corrigir estes e outros devaneios religiosos.
Curiosamente, segundo o autor, ao citar o texto do profeta Isaías e outros, Deus coloca ponto final, não nos “desvios” à pureza religiosa, mas, na liturgia sabática! Será verdade? Será só aparência? O que é que, finalmente, se está a passar? Antes de avançarmos para a profundidade dos textos propostos, convinha não esquecer, desde já, que o profeta fala em - rituais e festividades judaicas! O culto prestado desta forma, não passava de uma mera formalidade exterior, em que o coração do devoto não estava lá! E este contexto era uma realidade, tal como o nosso autor o sabe! Por isso deveria tê-lo tido em conta, antes de avançar para conclusões precipitadas! Estamos a ser incorrectos e, até, exagerados? Pensamos que não!
Vejamos, pelo menos, um texto do mesmo profeta que reflecte este mesmo clima mental e perante o qual o profeta se insurge: “ O Senhor disse: Já que este povo se aproximou de mim só com palavras e me honra só com os lábios, enquanto o seu coração está longe de mim e o culto que me presta é apenas humano e rotineiro” – Isaías 29:13 (sublinhado nosso). Deus não quer uma adoração ”faz de conta”, como se costuma dizer! Mas esta era, infelizmente, a única que o povo estava continuamente a oferecer a Deus! Será que os textos por nós acrescentados, assim como os do autor, concorrem para a destituição da sacralidade do 7º dia da semana – o Sábado - como quer fazer crer? Cremos que não!
Estas palavras amargas do próprio Deus nada têm que ver com a dessacralização do Sábado – 7º dia da semana – mas, unicamente porque, tal como já o dissemos, em termos de adoração cultual, já nada tinha sentido - era uma religiosidade aparente, exterior - nada mais!
Saiba, prezado leitor, que não estamos sós neste raciocínio! Certos autores, ao comentarem esta vontade de Deus, através do profeta – expressa por palavras duras contra a forma cultual do povo – acrescentam o seguinte: “Estes textos não podem significar que os profetas tenham condenado os sacrifícios que se ofereciam (…). Os profetas se opõem ao formalismo dum culto exterior, ao qual não correspondem as disposições do coração.”
Assim sendo, de que tratam os textos acima referidos? De que Sábados? Do Sábado (7º dia da semana) ou de dias rituais de descanso (feriados), “que calhavam em qualquer dia de semana.”? Para já, não esqueçamos que a palavra – Sábado – tem, na língua hebraica, o sentido de “descanso, feriado”; repetimos, neste preciso contexto, nada tem que ver com o Sábado – 7º dia da semana – mas unicamente com os tais dias festivos que, eventualmente, poderiam calhar num 7º dia da semana – o Sábado! Esta pequena particularidade, se não for tida em conta, poderá levar a conclusões erradas acerca do quanto o profeta, emissário da vontade de Deus, quis transmitir! Neste caso presente, se insere a conclusão do autor em causa, quando cita o texto de Isaías para consolidar a sua crítica!
Se observarmos os textos até aqui analisados, de uma forma atenta, vemos que, quer no texto bíblico de Lamentações ou no de Oseias, “a palavra – mô’ed (festa) – encontra-se ao lado do Sábado ou da lua nova (Lamentações 2:6 e Oseias 2:11,13), como se, para distinguir, estivessem reservadas às festas anuais – cf. Levítico 23:37,38.” Assim, vejamos uma particularidade no livro do Levítico que, a nosso ver, confirma e reforça o que dissemos até aqui a este respeito, isto é, a diferenciação entre Sábados rituais e o Sábado – 7º dia da semana! Vejamos os textos:

1- “são estas as solenidades do Senhor que vós celebrareis como convocações santas, oferecendo sacrifícios ao Senhor, holocaustos e oblações, vítimas e libações, segundo o rito de cada dia.” – Levítico 23:37 (sublinhado nosso).

2- “Independentemente dos Sábados do Senhor, dos vossos dons e de todas as vossas ofertas votivas ou voluntárias com as quais prestareis homenagem ao Senhor.” – v. 38 (sublinhado nosso)

Se repararmos bem, as festividades são assinaladas independentemente do dia em que tenham lugar. Mas recordemos o interessante pormenor do v. 38. “Independentemente dos Sábados do Senhor (…)”. Porquê esta referência e precisão? Não será para que não haja qualquer confusão entre uma festa ritual e a sacralidade inerente ao Sábado – 7º dia da semana? Pensamos que sim.
Deus assim o definiu para marcar a diferença existente entre estas duas formas de cultuar a Deus, porque “(…) sublinham o carácter religioso do Sábado que é «para Jeová» - Levítico 23:3; o «Sábado de Jeová» - Levítico 23:38; o dia «consagrado a Jeová» - Êxodo 31:15; que Jeová, ele mesmo «consagrou» - Êxodo 20:11. Porque o Sábado é sagrado e que ele é um sinal da Aliança, a sua observância é um compromisso de salvação – Isaías 58:13,14”
Perguntamos: qual o fundamento da crítica avançada pelo autor, ao dizer, à luz do texto de Isaías, anteriormente citado, que “o profeta já dava mais valor ao homem do que ao Sábado”? Só temos uma resposta: Nenhum! Tal como pudemos ver, o texto apresentado unicamente está relacionado com a mentalidade e formas de actuar descritas, tal como o revela o seu contexto! Não tem, de modo algum, o sentido que, o autor em causa, quer que tenha! O que o autor pretendeu fazer, tirando o texto do seu contexto, não foi interpretar, mas sim mutilar o texto!
Sempre dentro deste mesmo clima mental, lutando contra a banalização da forma de adorar o Senhor, o profeta Joel faz coro com o quanto vimos do profeta Isaías, vejamos: - “Mas agora ainda, - diz o Senhor, convertei-vos a Mim de todo o vosso coração, com jejuns, com lágrimas e com gemidos. Rasgai os vossos corações e não as vossas vestes. Convertei-vos ao Senhor, vosso Deus, porque Ele é bom e compassivo, clemente e misericordioso, Inclinado a arrepender-Se do castigo que inflige.” Joel 2:12,13.
De tal maneira retratava o Seu povo que, mais tarde, o próprio Jesus irá citar o texto do profeta Isaías, para condenar a hipocrisia dos fariseus, aplicando-o ao Israel do Seu tempo, ao dizer: “Hipócritas! Muito bem profetizou Isaías a vosso respeito, ao dizer: (…)” – S. Mateus 15:7. Assim como no passado, Jesus denunciava a presente forma de cultuar a Deus, classificando-a de “culto farisaico, de lábios e teatral, mas não de coração”.
E nos nossos dias? Será que as coisas mudaram substancialmente? Ou será que se passará a mesma coisa? Seremos cristãos só por que os nossos antepassados abraçaram, aderiram esta ou aquela confissão religiosa cristã? E, já que deveremos aderir a uma, então, de preferência, que esta seja maioritária, para não parecer mal, nem termos problemas, a diversos níveis, por exemplo, socialmente falando! Por que não? Não é, ainda nos nossos dias, bastante cómodo, a todos os níveis, que declaremos pertencer à confissão religiosa da maioria?
Para não adorarmos somente de uma forma exterior, tal como o profeta o denuncia, então deveremos examinar a Palavra de Deus e não somente ouvir os homens, por muito doutos que sejam e por muito respeito que nos mereçam!
Seguir Jesus, prezado leitor… é isto mesmo! É colocar a Sua vontade em primeiro lugar na nossa vida. É “correr o risco de uma vida que é tão dolorosa como o caminho de um condenado à morte (…); seguir Jesus, é, para todos, estar pronto a seguir o caminho solitário e a sofrer o ódio da comunidade”. É Isto, prezado leitor, o que significa ser verdadeiramente cristão e não seguir esta ou aquela confissão religiosa sem qualquer sentido!

b) S. Mateus 12:1-3
O autor transcreve na totalidade este trecho bíblico para nos dar a conhecer, na qualidade de leitores, a forma como Jesus irá responder aos fariseus que acusavam os Seus discípulos de colherem e comerem algumas espigas, em dia de Sábado, por terem fome!
O autor cita, para reforçar a sua conclusão - S. João 5:1-18 e 9:14 - dizendo: “Assim sendo, Jesus destrói por completo a sacralidade do Templo e a do Sábado. E por que é que Jesus usava o Sábado para fazer os seus milagres, de tal modo que recebia as críticas mais acervas dos Judeus? Precisamente pelo mesmo motivo. (…) É por tudo isto e não por iniciativa da Igreja de Roma, que se passa do Sábado para o Domingo.”
Eis mais uma brilhante conclusão, entre as muitas do nosso autor! Se esta fosse feita por um qualquer colega nosso, historiador de mentalidades, ainda seria possível admiti-la, partindo do princípio de que esta não é a sua área específica do saber! Mas sendo a de um teólogo desta envergadura, um profissional de religião, confessamos que temos muita dificuldade em a aceitar! Por várias razões: em primeiro lugar, porque é muito ligeira e superficial; em segundo lugar, porque em nada corresponde à realidade dos factos!
Passaremos a explicar-nos. Eis o teor dos textos acima citados:

1- “Em certa ocasião, Jesus passava, num dia de Sábado,
através das searas. Os seus discípulos, que tinham
fome, começaram a arrancar as espigas e a comê-las.
Ao verem isto, os fariseus disseram-Lhe: Aí estão os teus
Discípulos a fazer o que não é permitido aos Sábados.
(…) E, se compreendêsseis o que significa: Prefiro
misericórdia ao sacrifício, não teríeis condenado os
que não têm culpa. O Filho do Homem até do Sábado
é Senhor.” – S. Mateus 12:1-8 (sublinhado nosso)

2- “Jesus disse-lhe: Levanta-te, toma o teu catre e anda.
No mesmo instante, o homem ficou são, tomou o
seu catre e começou a andar. Ora aquele dia era Sábado.
Por isso, os Judeus disseram ao que tinha sido curado:
Hoje é Sábado, não te é permitido levar o catre. (…)
Por isso, os Judeus perseguiram Jesus por Ele ter
feito tais coisas ao Sábado” – S. João 5:8-16 (sublinhado nosso)

3- “E era Sábado, quando Jesus fez o lodo e lhe abriu
os olhos. (…) Então, alguns dos fariseus diziam:
Este homem não é de Deus, pois não guarda o Sábado.” – S. João 9:14-16
Ora, o que é que estes textos revelam, prezado leitor? Pelo menos duas realidades, a saber: 1- Execução de várias tarefas; 2- Sempre no mesmo dia - no Sábado. E, curiosamente, em todas as tarefas e respectivos dias de ocorrência, Jesus é severamente criticado! É assim que os textos falam e nesta qualidade os aceitamos - nada mais!
Iremos ver, mais abaixo, o porquê das referidas acusações, para que compreendamos se está em causa o Sábado – 7º dia da semana – ou se tudo não passa, uma vez mais, de uma maneira de fazer jus a um puro formalismo ritual – tão somente isto!

c) Marcos 2:27
O autor começa por criticar o seu interlocutor E. Ferreira, quando o aconselha a citar integralmente o texto bíblico e não parte dele! Assim sendo, devido ao seu zelo escriturístico, este repõe o texto que o biblista adventista omitiu, que é: “O Sábado foi feito por causa do homem e não o homem por causa do Sábado. O Filho do Homem até do Sábado é Senhor.” Marcos 2:27,28
Depois acrescenta, como ponto alto da sua crítica, o seguinte: “É conhecido de todos que os novos movimentos cristãos fundamentalistas usam e abusam da Bíblia, buscando os textos e as partes dos textos que lhes convém; não utilizam toda a verdade do texto, mas apenas meias verdades do próprio texto.” (sublinhado nosso). Portanto, para já, como libelo acusatório, já temos quanto baste!
A ser verdade, cremos ser grave que alguém, apesar de ser embuído dos mais nobres ideais, use e abuse, a seu prazer das Escrituras, distorcendo-as! Mas, até ao presente momento, onde está o raciocínio ou os textos em que o autor se apoia para fazer tal afirmação? Não era este o seu propósito, previamente anunciado – desde o início?!
Mas, continuemos a seguir a sua exposição. Ao transcrever, na íntegra, o texto bíblico, conclui de uma forma magistral que, afinal “é o Sábado que está ao serviço do homem e não o contrário; logo, o que mais importa é o homem e não o Sábado. O Sábado fica sujeito ao homem, ele é que é sagrado e não o Sábado”! Mas, perguntamos: como é que o autor faz tal conclusão acerca do Sábado, se este não acredita no livro do Génesis, onde a referência a este dia se encontra pela primeira vez – no contexto da Criação?! Convenhamos, para já, que a sua conclusão é bastante estranha!
Abramos aqui um parêntesis: À luz do que ali está escrito, somos ensinados a partir do relato bíblico que, após ter sido criado o homem e a mulher, o sexto dia ficou concluído: “(…) assim surgiu a tarde e, em seguida a manhã: foi o sexto dia” – Génesis 1:31
Continuando a seguir o relato bíblico, encontramos algo que, no mínimo, nos deixa pasmados, no bom sentido! A Bíblia refere que: “Concluída no sétimo dia, toda a obra que havia feito, Deus repousou no sétimo dia, do trabalho por Ele realizado. Abençoou o sétimo dia e santificou-o, visto ter sido nesse dia que Deus repousou de toda a obra da criação” – Génesis 2:2,3. A que se referirá o autor do livro de Génesis? Por que é que Deus irá criar um dia vazio? Então, perguntamos: este dia para que servirá, se é vazio de criação? Mas, se olharmos bem para o texto, ele revela que: “Concluída, no sétimo dia, toda a obra que havia feito, Deus repousou no sétimo dia, do trabalho por Ele realizado”. Afinal, temos aqui a explicação nitidamente apontada: Deus criou um dia (Yom) vazio de 24 horas (tarde e manhã), um tempo para um determinado fim - para nele repousar!
Portanto, para já, mais que não fosse, já tínhamos uma razão de peso para aceitarmos o que o Senhor Jesus disse: “O Sábado foi feito por causa do homem (…)” – Marcos 2:27. (sublinhado nosso). O homem, afinal, após uma semana de trabalho, precisa de descansar! Mas a Bíblia não fica por aqui no seu esclarecimento a todo o leitor sincero. Assim, para nossa surpresa, no livro do profeta Isaías, resta saber qual deles se trata, visto que segundo certas escolas de interpretação, sendo o nosso autor um dos seus arautos, referem que este livro se divide em três partes: 1º, 2º e 3º Isaías , isto é:

a) Primeiro Isaías – Cap. 1 ao 39
b) Segundo Isaías – Cap. 40 ao 55
c) Trito-Isaías – Cap. 56 ao 66.

Não iremos, pois tal não é o nosso propósito, debruçar-nos sobre os critérios destas divisões e retalhos artificiais, meramente humanos, acerca do livro deste profeta! Num gesto unicamente de galantaria para com o autor, iremos fazer coro com as demais opiniões. Assim, na secção, dizem, inerente ao Deutro-Isaías - a que nos ocupa - encontramos uma afirmação, como já o dissemos, surpreendente a todos os níveis! Vejamo-la: “Não sabes? Não aprendeste que o Senhor é o Deus eterno, que criou os confins da terra sem nunca se fatigar ou aborrecer e cuja sabedoria é impenetrável?” – Isaías 40:28. (sublinhado nosso). Aparentemente, parece, existe uma contradição entre as duas afirmações bíblicas acima referenciadas. Mas vejamo-las mais de perto:

1- “(…) Abençoou o sétimo dia e santificou-o,
visto ter sido nesse dia que Deus repousou de
toda a obra da criação” – Génesis 2:3. (sublinhado nosso).

2- “(…) o Deus eterno, que criou os confins da terra
sem nunca se fatigar ou aborrecer e cuja
sabedoria é impenetrável?” – Isaías 40:28. (sublinhado nosso)

Então, prezado leitor, perguntamos nós: afinal, Deus cansa-se ou não? Deus repousou ou não? Em que ficamos? Se o prezado leitor reparar, o primeiro texto elucida-nos que Deus: “Abençoou o sétimo dia e santificou-o (…)”. Porquê a inclusão deste pequeno / grande pormenor? Será que esta informação anula a aparente contradição? Cremos, sinceramente, que sim, porque neste dia não existe trabalho ou descanso mas, unicamente o objectivo, a razão de ser da sua criação – para que nele e só nele, visto que este dia foi criado só para este efeito, a criatura louve o Criador!
Repare, prezado leitor, que não somos só nós a pensar assim! Eis as palavras, de um autor insuspeito, a propósito do texto de S. Marcos 2:27 “Se a criação do homem aconteceu no 6º dia e a instituição do dia de repouso o 7º dia, é porque a vontade do Deus Criador era que o dia do repouso sirva ao homem e seja para ele uma bênção”. Ou ainda “Deus «abençoou» este repouso e o «santificou» - e «santificar» significa que uma coisa foi colocada de lado para o serviço de Deus”.
Mas, dizíamos, temos ainda um outro elemento que ajudará e reforçará esta primeira conclusão. O relato bíblico afirma que o ser humano foi criado no sexto dia: “Façamos o homem à Nossa imagem, à Nossa semelhança (…) assim surgiu a tarde e, em seguida a manhã: foi o sexto dia” – Génesis 1:27,31. Ora se Deus “repousou no sétimo dia”, será forçada e abusiva a nossa afirmação de, a exemplo do Criador, o homem também tenha descansado nesse mesmo dia – o 7º (Sábado)? Cremos que não! Esta conclusão, implícita no texto da Criação, obriga-nos a formular a seguinte pergunta: - Que trabalho teria feito o ser humano para que precisasse de descansar, visto ter sido acabado de ser criado? A resposta é simples: NENHUM! Pois: “o primeiro dia da vida do homem sob os traços de um grande Sábado”. O Sábado é o primeiro dia completo do homem! Que extraordinário! A sua vida começa com louvor, não com trabalho!
Ora, se como acima acabámos de referir: “(…) Deus abençoou o sétimo dia e santificou-o (..).”, então quer dizer que este sétimo dia da semana – o Sábado – e não o 1º dia da semana – o Domingo - contém uma dimensão de Descanso físico, de Reflexão Espiritual e de Adoração ao Criador! Se virmos assim os textos, então, todos eles são coerentes entre si e, facilmente se compreenderão as palavras de Jesus, quando disse que: “O Sábado foi feito por causa do homem (…)”. Disse-o, quanto a nós, por duas razões:

1- Para que o homem descanse do seu trabalho efectuado desde o 1º dia da semana – Domingo – até ao 6º dia da semana – Sexta-feira – dia da preparação para o Sábado – cf. S. Lucas 23:54.

2- Porque este sétimo dia da semana – o Sábado – contém uma dimensão espiritual que a criatura – o homem - deverá estabelecer com o Deus criador.

Pelo menos é assim, segundo o nosso entendimento, que se expressa o autor do livro do Apocalipse, quando diz: “temei a Deus e dai-lhe glória, porque chegou a hora do seu julgamento. Adorai Aquele que fez o Céu e a Terra, o mar e as fontes das águas.” Apocalipse 14:7 (sublinhado nosso). Note-se que o acto de “adorar” implica reconhecer, à luz do texto, o Deus Criador. Ora, em cada Sábado, quando se entra nele, a exemplo de Deus, o crente deverá, não somente repousar, como santificar este dia ao entrar em comunhão com Ele, adorando-O, glorificando-O e exaltando-O na qualidade de – Criador – de tudo o que existe.
Quanto ao 1º dia da semana – o Domingo – que dimensão, no acto da Criação, comporta? Tanto quanto saibamos e que a Bíblia nos esclareça: NENHUMA! A única referência a este dia, de alguma nota, é que nas primeiras horas deste, Jesus ressuscitou! Dia que, até ao final do século I, nunca teve qualquer importância ou referência especial, a não ser como sempre fora conhecido até ali – o 1º dia da semana!
Por outro lado, o 1º dia da semana – o Domingo – de igual modo não é um dia para comemorar a ressurreição de Jesus, segundo as Escrituras! No entanto, contrariamente ao ensino bíblico, segundo alguns, este acto inaugura uma nova fase do cristianismo! Talvez, a este propósito, não fosse demais lembrar o que as Escrituras nos revelam acerca do que foi instituído para recordar e comemorar a Morte e Ressurreição de Jesus! Não foi, de modo algum, o 1º dia da semana - o Domingo - mas sim, o Baptismo (Romanos 8:3-5) e, de certo modo, a Eucaristia, isto é, a Ceia do Senhor (I Coríntios 11:24-26)!
Que ainda nos seja permitido chamar à atenção para o modo como esta confissão religiosa, que o autor representa, celebra a Eucaristia; já que falamos de desvios humanos colados aos claros ensinos das Escrituras, este é mais um, entre outros! Já reparou, prezado leitor, que o crente, você, só participa em metade da comunhão – só no pão! Muitos, talvez, dirão que, tudo isto é motivado por uma questão de comodidade! Que o sacerdote representa a parte pelo todo! Mas, se assim é, por que não o faz para ambos os símbolos – o fruto da videira e o pão?
Convém não esquecer que a ordem expressa por Jesus foi a seguinte: “Tomando a taça, deu graças e disse:«Tomai e reparti entre vós (…). Tomou então o pão e, depois de dar graças, partiu-o e deu-lho».” – S. Lucas 22:17,19. A plenitude da bênção é a participação nos dois emblemas da Eucaristia, não num só! Até nisto, esta confissão religiosa tem suplantado e modificado as directivas do próprio Jesus!
Não será muito mais seguro permanecer ao lado da Verdade, do ensino infalível da Palavra de Deus do que ao lado de uma confissão religiosa, cujo ensino e práticas unicamente estão alicerçados nas – Tradições e saberes humanos - por conseguinte, falhos! A este propósito, nunca será demais recordar um excelente excerto de um autor Judeu, Abraão Joshua Heschel, a propósito do Sábado como monumento do acto criador realizado por Deus: “ Um dos termos mais nobres da Bíblia é o qadosh (santo); um termo que mais do que qualquer outro representa o mistério e a majestade divinas. Perguntamo-nos qual foi o primeiro objecto santo na História do mundo: uma montanha? Um altar?
Na verdade, foi numa ocasião única que o termo qadosh foi empregue pela primeira vez: no livro do Génesis, no final da História da Criação. Como é significativo que ele tenha sido aplicado, de facto, ao tempo: Deus abençoou o sétimo Dia e tornou-o santo” – Génesis 2:3. Não há nenhuma referência no relato da Criação a qualquer objecto do espaço que seja revestido desta qualidade de santo.
O sentido do Sábado é celebrar o tempo, mais do que o espaço. Durante seis dias da semana vivemos sob a tirania das coisas do espaço; no Sábado tentamos pôr-nos em sintonia com uma santidade no tempo. É um dia em que somos convidados a participar naquilo que é eterno no tempo, a voltar-nos dos resultados da Criação para o seu mistério, do mundo da Criação para a criação do mundo.”
Quão verdadeiras são estas palavras; quão maravilhosamente é descrito este tempo que Deus criou para o homem; sim, para cada um de nós, para que neste preciso tempo de santidade possamos partilhar e louvar a Sua santidade – eis a razão de ser da criação vazia do 7º dia – nele só existe - o tempo - para o louvor, nada mais!
Espantosamente, no último livro das Escrituras encontramos um solene convite a todo o ser humano, que diz: “Temei a Deus e dai-lhe glória, porque chegou a hora do seu julgamento. Adorai Aquele que fez o Céu e a Terra, o mar e as fontes das águas” Apocalipse 14:7.
Eis o convite à adoração extensivo a toda a criatura. Só um Ser se reserva o direito de ser adorado pelas Suas criaturas – Deus! Sim o único que é capaz de dar vida, de dizer e de criar, tal como o reconheceu S. Agostinho ao exclamar: “Para Vós não há diferença nenhuma entre o dizer e o criar”. E, nesta qualidade, onde O podemos e devemos adorar? Em nenhum outro tempo, a não ser naquele tempo que constitui o – 7º dia – o único criado exclusivamente para este fim – o Sábado – cf. Génesis 2:2! Numa palavra, em síntese diríamos: em cada dia, do 1º ao 6º Deus criou diferentes coisas; no 7º dia, Ele criou – um dia pleno – para ser exclusivamente dedicado ao Louvor, à Adoração! Fechamos aqui o parêntesis.
Voltando ao texto de Marcos 2:27,28. Recordamos que este diz: “O Sábado foi feito por causa do homem e não o homem por causa do Sábado. O Filho do Homem até do Sábado é Senhor.” Assim pensamos, de igual modo! Assim tudo se encaixa perfeitamente, por várias razões inscritas no próprio texto:

1- “O Sábado foi feito por causa do homem”, claro - para que este homem possa nele Descansar, Adorar e Louvar o seu Criador;

2- “Não o homem por causa do Sábado”, exactamente - porque este dia lhe é de posterior criação;

3- “O Filho do Homem até do Sábado é Senhor”. Nem poderia ser de outra maneira! E porquê? Porque - a Criação tem por base, tanto Ele (Jesus), como o Pai – cf. S. João 1:1; Colossenses 1:16,17.

Portanto, se virmos, para já, assim as coisas, tudo se clarifica e nada tem de estranho! Estranha, essa sim, é a explicação que o teólogo, o nosso autor, dá quando tenta corrigir a outra confissão religiosa, a que chama ostensivamente de: Seita! Esta, que cataloga tudo e todos, como poderá ser qualificada?
Como dizíamos, esta pensa ser detentora de todo o saber e poder, ainda acrescenta, como tendo a última palavra: “O sétimo dia tem a ver com a criação judaica das sinagogas, a partir do exílio da Babilónia, como necessidade imperiosa da catequese judaica, em dia de Sábado, para salvaguardar a fé judaica dos contactos com os pagãos”. Se é assim tão linear, perguntamos: e antes do exílio, não havendo sinagogas, não existiu o Sábado? Se existiu, desde quando é que este impediu a influência de costumes pagãos no seio do povo de Israel, tal como, por exemplo, o seu desrespeito? Continuamos a pensar que não! Vejamos:

1- Desrespeito do Sábado - Neemias 13:17-19; Jeremias 17:21-27;
2- Sacrifícios de humanos em honra de Baal – Jeremias 19:4,5,13;
3- Queima de incenso e libações à deusa Isthar (Astarte – Rainha dos céus) – Jeremias 44:16-19;
4- Profanação do próprio Templo, ali adoravam o Sol – Ezequiel 8:16.

Se o relato bíblico da Criação não passa, segundo este teólogo, de um “mito” ou de “uma ficção e que, devido ao seu género literário, nada tem que ver com dias literais ou dias cronológicos, mas com uma semana simbólica e litúrgica (…)”, então tudo é possível e cada um poderá ler as Escrituras como quiser, não é verdade? Será a aplicação do adágio popular: «Cada cabeça cada sentença»! Isto faz-nos recordar o que o livro de Juizes nos diz que se passava no seio do povo de Deus, a saber: “Naquele tempo não havia rei em Israel, e cada um fazia o que lhe apetecia” – Juizes 21:25. Não havendo Norma, cada um diz da sua lavra e tudo está certo, não é verdade?! Quem o poderá contradizer? Com que meios e com que autoridade?
O que é um mito, prezado leitor? Fernando Pessoa, no seu texto épico – Mensagem – na 1ª parte, no tema dos Castelos, quando descreve o tema de Ulisses, define-o assim: “O mito é o nada que é tudo.” . Então, se tudo é mitologia e afins, que dizer do texto histórico? Que pensar do Jesus de Nazaré, aquele que os relatos do Novo Testamento nos dão a conhecer? Como ousou este, por exemplo, responder à hipocrisia dos fariseus acerca do repúdio da esposa pelo marido, quando disse: “Por causa da dureza do vosso coração, Moisés permitiu que repudiásseis as vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim.” – S. Mateus 19:8.
Que queria Jesus dizer com as palavras - ao princípio? Que princípio seria este? Segundo o nosso autor, certamente que não terá que ver com o relato do Génesis - a Criação – pois tudo é mitologia! Então Jesus referia-se a quê? Quem souber que responda!
Quanto a nós, caríssimo leitor, preferimos ficar com as palavras de Jesus, visto que este não iria, para fundar e consolidar os Seus ensinos, basear-se em mitos e lendas, como facilmente se compreenderá, não é verdade?!

Bibliografia:
Joaquim Carreira das Neves, OFM, op. cit, p. 128
Louis Pirot (direcção de), La Sainte Bible, Paris, Ed. Letrouzey et Ané, 1946, vol. VII, p. 19.
J. Jeremias, op. cit, p. 260
Gerhard Von Rad, La Genèse, Genève, Ed. Labor et Fides, 1968, p. 59
Hans Walter Wolff, Anthropologie de l’Ancien Testament, Genève, Ed. Labor et Fides, 1974, p. 121
Citado por Arthur Hertzberg, Judaísmo, Lisboa, Ed. Verbo, 1981, p. 152
Santo Agostinho, op. cit., livro XI. 7, p. 298
António Quadros, Mensagem e outros poemas afins (Obra poética de F. Pessoa), 2ª ed., Lisboa, Ed. Europa-América, s.d., p. 100

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